03/10/2007

No batuque da cidadania

Projeto Batucadeiros insere socialmente crianças e adolescentes em bairro pobre do DF

Crianças e adolescentes aprendem a fazer música com o próprio corpo no Recanto das Emas, cidade do entorno do Distrito Federal. Os sons e os ritmos são tirados de palmas, gritos, sussurros, estalos e batidas com as mãos no tronco e nas pernas. A garotada participa do grupo Batucadeiros, que recebe apoio da Brasil Telecom por meio do Instituto Batucar.

Num espaço cedido pela Igreja Presbiteriana do Recanto das Emas, 80 crianças e adolescentes, entre sete e 18 anos, têm aula de percussão corporal e violão. Além disso, participam de debates, recebem reforço escolar e ajuda com o dever de casa e a leitura, para aprimorar o gosto pelos livros. Também aprendem jogos que estimulam o raciocínio lógico, como o xadrez.

Há, portanto, uma preocupação em incentivar os participantes nos estudos. A meninada deve estar matriculada no ensino fundamental ou médio e ter bom rendimento escolar para fazer parte do grupo. Do total de batucadeiros, apenas dois estudam em escola particular.

As aulas de percussão corporal desenvolvem também a capacidade motora, de concentração e percepção das crianças e adolescentes. Isso contribuiu para o bom rendimento dos meninos e meninas no colégio. Em 2006, 78% dos alunos e alunas foram aprovados. Segundo os coordenadores, no inicio do projeto, o índice de reprovação era de 50%. “Decidimos implementar o reforço escolar por causa das repetências. Queremos contribuir com a visão de que aprender é bom e também com a formação e desenvolvimento desses pequenos cidadãos”, ressalta Ricardo Amorim, idealizador do grupo.

A aluna Raiana Santos Barbosa, 11 anos, que se destaca pela liderança natural, diz que o grupo batucadeiros “foi uma solução na sua vida”. Há cinco anos no projeto, este ano a menina teve a melhor nota em português da turma. “Tudo mudou depois que vim para cá. Até me ajudaram a conseguir uma bolsa de estudo num colégio particular. Os batucadeiros são a minha vida”, resume.

Raiana tem dois irmãos, uma com 10 anos e outro com 5 anos, que também estão no grupo. O pai é mestre-de-obras e é responsável por manter a família. A mãe, dona-de-casa, complementa a renda da família com a venda de din-dins. Segundo a garota, no projeto aprende-se ainda valores morais. “Aprendemos os quatro pilares: a escola, os batucadeiros, a igreja e a família. Temos que nos comportar em casa, ou não podemos participar das apresentações.”

As crianças e os adolescentes são orientados e ensinados por 11 pessoas entre coordenadores e monitores. Os encontros acontecem de segunda a quinta e duram mais ou menos duas horas. No entanto, como o local é pequeno, o total de alunos é dividido em grupos. Com isso, o centro de atendimento funciona oito horas por dia. Pela manhã, a maioria dos participantes é adolescente, enquanto a tarde predomina as crianças.

A melhora no rendimento escolar foi a principal conquista para o estudante Leandro Vaz de Almeida, 11 anos. “Minhas notas estão melhores. Antes não estavam baixas, mas agora estão muito melhores! Meus pais estão na maior alegria”, afirma com um largo sorriso. O pai trabalha numa marmoraria e a mãe é dona de casa. Tem um irmão com 20 anos, que faz estágio e cursa Administração. Leandro diz que gosta da aula de xadrez e das outras atividades, no entanto, para ele não há nada melhor do que batucar.

Batucadeiros – O projeto foi idealizado pelo músico Ricardo Amorim em 2001, quando foi convidado pela igreja para ensinar música. O objetivo era fazer com que as crianças e os adolescentes tivessem atividades saudáveis fora da escola e também entretenimento. O idealizador conta que o bairro Recanto das Emas, hoje com cerca de 140 mil habitantes, não tem espaços públicos de diversão, como cinema, teatro ou clube, e, com isso, as meninas e meninos ficavam ociosos nos horários livres.

A falta de instrumentos e condições de adquiri-los para todos os inscritos na turma de música foi decisiva para que o curso fosse de percussão corporal. “Quando a gente chegou aqui não tinha instrumento para todo mundo. Então, decidimos trabalhar a música por meio do corpo”, explica Patrícia Amorim, coordenadora pedagógica do projeto e esposa do músico.

Há seis anos, as aulas e os ensaios aconteciam uma vez por semana e contava com apenas 12 alunos. Com o crescimento do projeto, a família de Ricardo vestiu a camisa. Além dele e da esposa na coordenação do grupo, o seu irmão Gilberto Amorim é o presidente do Instituto Batucar, criado em 2007 para ampliar a iniciativa. “O grande desafio do Instituto é conseguir maior sustentabilidade para o projeto, ter mais recursos financeiros para ampliar o atendimento. Nós estamos formando mais monitores com essa finalidade”, comenta Ricardo.

A equipe do Batucar já está plantando sua semente em outras cidades satélites. Todo sábado, dois monitores dão aula para crianças do Paranoá. No primeiro semestre de 2007, o projeto também foi realizado com meninos e meninas do Varjão. As duas cidades satélites têm realidades parecidas com a do Recanto das Emas. De modo geral, as famílias vivem com um salário mínimo.
Ricardo Amorim se diz músico de rua e conta que tem a história parecida com a de seus alunos. Quando criança, sonhava em tocar violão, mas não tinha recursos para pagar as aulas ou comprar o instrumento. O sonho se tornou realidade graças a ajuda de um conhecido, que o ensinou a música gratuitamente. “Essa ajuda foi muito significativa para mim. Foi definitiva para que eu idealizasse este projeto”, afirma o idealizador do Batucadeiros.

Formação – Os monitores recebem uma ajuda de custo para trabalhar no Instituto Batucar. A bolsa serve para que eles paguem o curso universitário, que na grande maioria está vinculado com as áreas afins do projeto, como música e educação. De oito, sete participa do Batucadeiros desde o início. “Em Brasília, não há professores de percussão corporal tão bem preparados como os monitores formados aqui”, se gaba Ricardo.

A monitora Gisele Luiza Galdino Pereira, 25 anos, entrou para o grupo como aluna em 2001, após ter assistido uma apresentação dos Batucadeiros. Não saiu mais! Apaixonou-se pela iniciativa e foi estudar pedagogia para ajudar as crianças e os adolescentes a melhor se desenvolverem no Batucar. Hoje, cursa pós-graduação em Psicomotricidade. “Meu projeto final na graduação foi sobre a relação do aprendizado das crianças no projeto com o desempenho escolar. A minha pós-graduação é justamente para melhorar o trabalho com os meninos e as meninas do projeto, ajudar no seu desenvolvimento”.

Gisele Luiza afirma que a satisfação das crianças e jovens de fazer parte do grupo é nítida. “Nós estamos trabalhando vidas aqui! Estamos valorizando essas pessoas por meio da educação e da música”, finaliza a conversa.

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