03/10/2007

Brasil Ecodiesel reformula o conceito de reforma agrária

Empresa está ajudando mais de 600 famílias a conquistar pela primeira vez sua própria terra

A Brasil Ecodiesel, maior produtora de biodiesel do País, da qual a Petros é acionista, mudou a vida de 620 famílias sertanejas no Piauí por meio da produção familiar de mamona. A empresa mantém o Núcleo de Produção Comunitário Santa Clara, a 60 km da cidade de Canto do Buriti, sertão piauiense. Lá, oferece todos os recursos necessários para o desenvolvimento humano e socioeconômico desses trabalhadores rurais. O objetivo da iniciativa é preparar essas pessoas para despontar no promissor mercado de cultivo de oleaginosas e lidar com o novo desafio: administrar seu próprio pedaço de chão.

Em sete anos, esses trabalhadores rurais serão donos da terra onde produzem mamona. São 8,5 hectares para cada família ou parceiro (como também são conhecidos os produtores). Hoje, o terreno do Núcleo Santa Clara é concessão da Brasil Ecodiesel, mas, em 2013, parte será dos 620 parceiros e a outra uma reserva ambiental.

A posse definitiva da terra será novidade para muitas famílias. Este é o caso do parceiro Anízio Pedro, de 49 anos, que chegou em Santa Clara, em 2004, a procura de melhor condição de vida. E confessa que foi para o Núcleo com “o pé atrás”, mas se surpreendeu. “Eu trabalhava em terra alheia. E esse foi o fator de ter vindo para cá, mas sem acreditar que Santa Clara poderia dar certo, que traria melhora para a gente. Graças a Deus que tudo é bem diferente do que eu pensei e que (o Núcleo) está funcionando”.

Anízio Pedro explica que a descrença inicial no projeto da Brasil Ecodiesel se deve, principalmente, pela falta de perspectiva dos trabalhadores rurais. “Eu e minha família lutamos muito trabalhando na propriedade alheia. Quem sempre melhora é o dono da propriedade, que leva tudo que é bom e explora o trabalhador. Então, a realidade é que o trabalhador é sempre explorado”, desabafa.

Dignidade – E é justamente por isso que a empresa tem se esforçado para inserir seus parceiros numa realidade diferente da descrita por Anízio. Para tanto, além de possibilitar que essas famílias passem a proprietários de terra, a Brasil Ecodiesel os ajuda a ter acesso a uma vida digna. Eles já não têm de fugir da seca do semi-árido nordestino e migrar para outros estados, como muitas famílias que vivem ali fizeram no passado.

Desde a criação do Núcleo, a empresa também oferece atendimento médico e odontológico, ensino fundamental e para adultos, transporte escolar, moradia, água encanada e cesta básica. Além disso, dá suporte técnico no cultivo de mamona e outras culturas e também todas as condições de produção, como a compra de sementes e ferramentas, e o pagamento do consumo de energia. Tudo isso sem recursos financeiros do governo.

A dirigente sindical Marieta Silva, 50 anos, que chegou à região em 1995 com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e foi presidente da Associação de Pequenos Produtores, comemora o estabelecimento do projeto. “A vinda da Brasil Ecodiesel para cá foi ótima. Deveria ter vindo mais cedo”, fala Marieta. “Agora temos água encanada, luz elétrica e banheiro. Agradecemos muito porque não pagamos água e luz, e temos atendimento médico. Hoje, eu tenho até chuveiro elétrico em casa. Nunca imaginei isso”.

O produtor rural João Batista dos Santos, 46 anos, campeão de colheita de mamona em 2006, diz que não encontrou nenhuma dificuldade desde que veio para Santa Clara, há três anos. “Eu não me arrependo de ter vindo para cá, principalmente porque os meus filhos estão estudando com facilidade. Tem ônibus na porta. Antes, meu filho estudava, mas a dificuldade era muito grande. Chegava a andar 2 km de bicicleta para ir para escola”, lembra João Batista. E completa: “Depois que cheguei aqui, me sinto mais firme. Já posso sonhar mais alto. Antes, parecia que nada ia para frente, tudo era apenas sonho. Em vista da minha vida fora de Santa Clara, hoje eu sou rico”, conta.

Os parceiros vendem toda a produção diretamente para a Brasil Ecodiesel. A mamona é enviada para o processamento nas usinas da empresa. Os grãos – feijão e milho –, as hortaliças, as frutas – caju e banana – e os legumes colhidos em Santa Clara são utilizados na merenda da escola e no refeitório do Núcleo. Mais um ganho para estas famílias, que desconheciam muitos dos alimentos introduzidos nas suas dietas a partir de 2003.

A questão cultural também está entre as preocupações da empresa. Por isso, foi montado um grupo de teatro. Mais de 30 adolescentes e jovens participaram dos ensaios do musical sobre São Francisco de Assis. Todos os atores são marinheiros de primeira viagem. A peça estreou em agosto, com música ao vivo e dança.

Empoderamento - De acordo com Júlio Armando Martinez Henriquez, diretor da Brasil Ecodiesel, após quatro anos, o projeto está na segunda fase. Isso significa que os parceiros têm maior poder de decisão na escolha das atividades desenvolvidas. Na primeira etapa, os diretores do Núcleo estavam mais preocupados em garantir os direitos básicos – saúde, educação e habitação – para as famílias selecionadas para viver em Santa Clara. “As decisões são tomadas, em muitos projetos sociais, de cima para baixo. Nós queremos dividir a tomada de decisão com os parceiros. Com isso, estamos respeitando a sabedoria popular. Afinal, quem são os mais expertos: nós, os urbanos, ou os sertanejos, que aprenderam a sobreviver às adversidades sem as tecnologias utilizadas nas cidades?”, avalia Martinez.

A tomada de decisões compartilhada é aprovada pelos parceiros e já tem dados frutos. Por meio de iniciativa própria, cerca de 30 mulheres criaram uma horta orgânica. As parceiras recebem apóio técnico, mas são elas que têm a palavra final na definição das ações feitas na plantação. A trabalhadora Elizete Alves Silva diz que em Santa Clara os parceiros, diretores e técnicos aprendem uns com os outros. “A orientação dos técnicos é muito importante para a gente. Mas eles também aprendem muito com a gente. Aqui, é aprendendo e ensinando”, ressalta.

A trabalhadora rural Ana Maria Deusa, 46 anos, acredita que a horta valoriza o papel da mulher dentro do Núcleo. “É um lugar onde só as mulheres mandam. Temos um espaço só nosso, com liberdade para conversar sobre tudo que queremos. O projeto é uma opção de trabalho e renda para as mulheres do Núcleo. Afinal, lugar de mulher não é só na cozinha”, afirma.

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